quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Desencontros...

Será que posso dizer “Era uma vez”?
Cada vez me convenço mais de que o tempo real não existe. E os lugares onde os olhos brilham transformam-se em utopias. As historias de amor são lendas e nunca historias, porque nós Homens temos uma certa dificuldade de lidar com “estas coisas da alma”. Com estas forças que nos empurram para alguém sem sentido, sem saída, sem fuga possível. Como se naquela noite fossemos de alguém eternamente e dez anos mais tarde percebemos que o eterno acaba quando deixamos de amar.
Marie, que mulher tão bonita, o seu rosto tinha uma simetria invulgar. Era daquelas mulheres nas quais até as mulheres reparam. Daquelas que já não sabemos se a beleza é uma qualidade se é um incómodo. Eu acredito na beleza intemporal, mas refiro-me a uma “menina” de 21 anos. No inicio da sua carreira. Podia ser actriz em Hollywood mas limitava-se a brilhar nas passerelles de Paris.
09:45am, os dois param para tomar café algures nos Champs Elysees , é o pequeno almoço com que todos sonham e para eles era uma rotina. Não à mesma hora, mas todos os dias pela manhã. Talvez nos outros dias ele tivesse entrado dez minutos depois, ou ela tivesse saído 20minutos antes. Era um encontro invulgar mas os dois repararam. Era fácil perceber a presença dela, mas ele era apenas um homem vulgar. Era um jornalista, no inicio da sua carreira, tinha 26 anos e tinha acabado de entrar para uma revista.
Os dois dividiam espaço na mesma fila, separados por duas pessoas sentiam a presença um do outro. A princesa da beleza incomum e o rapaz com um charme invulgar. Desejavam-se sem entenderem porquê. Ele era magro e não tinha mais de 1,75m. Tinha um modo de estar arrogante e era muito discreto na forma de olhar, enquanto ela esbanjava charme para cima dele. Podia descrever o momento num livro inteiro porque este é daqueles momentos, que, inocentemente, os seus olhos estão a ir para além deles. O olhar de um causa no outro a sensação de ter um monte de borboletas, desamparadas, a correr por dentro deles. O estômago enrola-se sobre si mesmo e desde então passam a ter fome deste sentimento para sempre…
Enquanto se sentavam, cada um na sua mesa, a olhar para o seu cappuccino, permanecia no ar uma sensação de perda. Uma vontade de que aquele momento dura-se para sempre. Passava-lhes tudo pela cabeça. “E se é ele? Se ele é o tal?. “Ela nunca virá falar comigo, é bonita de mais.” Os dois perdiam-se no olhar um do outro mas havia qualquer coisa que ambos perderam quando se afastaram da fila. Uma história tinha ficado naqueles lugares mas ainda assim as borboletas voavam, voavam, voavam sem parar.
Marie deixa cair o café e imediatamente o jovem levanta-se para a ajudar. Estavam perto finalmente. Assim, sem nenhum fazer figura de pateta. Talvez a princesa mimada tivesse medo que no fim do café ele fosse embora, sem um “adeus”, sem um “olá”. Não podia! Seria como se estivesse a cometer algum crime conjugal. Como se ele fosse seu a partir do momento em que ela o olhou. Talvez aquele café a cair seja obra do destino, e se o destino estava a favor o jovem não deixou escapar a oportunidade. Ou talvez ela o tenha feito cair.
Os dois perdiam-se na hora e na conversa, o tempo era um equívoco, um apontamento sem importância. O lugar onde estavam já há uma hora que não era um lugar e a conversa, com pouca relevância, em que pouco revelavam era uma faísca na paixão que acontecia na troca de olhares.
Já perdi algum tempo à procura de definições de paixão, definições de amor. Distinções entre os dois e já ouvi vários autores a falarem de amor à primeira vista. È claro que ninguém se ama no primeiro dia, ninguém se ama numa troca de olhares. Mas paixão é o friozinho que congela o corpo, que faz perder a fome, perder as horas, deixar de ouvir o telefone a tocar e viver de uma forma autêntica cada segundo sem sequer ter percepção da sua presença.
Naqueles minutos os dois perceberam que um gostava de chuva e o outro gostava de sol, um gostava de muito sal na comida e o outro contentava-se com o mínimo possível. Perceberam que um gostava de uma boa noite de cinema e o outro gostava de grandes noitadas. Tiveram a certeza que nunca iam ter vontade de jantar a mesma coisa e que nunca iam querer conduzir o mesmo carro. Tiveram medo de um querer dormir cedo e o outro querer pernoitar. Souberam que um gostava de filmes de animação e o outro de acção. Que um era sonâmbulo mas que o outro podia acordar durante a noite para o acalmar. Mas de repente, sem avisar…
A máquina do tempo que o fez parar fez com que volta-se a andar. Passaram-se duas horas? Ou dez anos? Estiveram mergulhados nesse sabor durante quanto tempo?
Marie levantou-se de repente, olhou para o relógio, para o telemóvel e percebeu que tinha perdido a manhã. Estava perdida no tempo, e, sem perceber que tinha encontrado tudo o resto, disse, “tenho que ir”. Saiu de repente e voltou para trás. Estava um ambiente estranho no ar, como se os dois estivessem a acordar do mesmo sonho, ainda sonolentos da montanha-russa e com sede de voltar lá mas atrasados para a vida real. Não sabia o que dizer, o que fazer, se lhe apertava a mão, se o beijava na boca. Desejava um beijo dele mas a mente agia em protesto das suas vontades e as horas contavam, o tempo existia e aquela sensação de intimidade desapareceu num piscar de olhos.
O rapaz chegou perto dela e disse, “posso dar-lhe um abraço?”, Ela abraçou-o sem hesitar e disse “sinto que o conheço desde sempre.” Por instantes voltaram ao limbo, à utopia, a favor de uma lenda, mas rapidamente o efeito de êxtase passou e ela saiu por aquela porta a correr. Ele fechou os olhos, talvez para não existir nele a sua partida. Recordara apenas a saia que ela trazia vestida e a forma como sorria por cima do ombro. O casaco vermelho que lhe dava um ar atrevido e as mãos claras que lhe davam um ar delicado.
O rapaz seguiu para a rua, no sentido contrário, em direcção ao arco do triunfo sem perceber o que acabava de acontecer.
Marie andava pela rua a passo rápido, quase a correr, como se fugisse da própria sina. Como se fugisse de alguém que a quisesse mal. Sem saber porquê permanecia uma vontade de voltar. Voltou! Correu pela rua e quando finalmente fugindo ao frio entrou pela porta do café percebeu que ele não estava lá. “O rapaz que estava aqui sentado comigo?”, “Saiu agora mesmo”.
Correu no sentido contrário, correu, procurou e no meio da multidão era impossível encontra-lo. Desistiu e no dia seguinte voltou à mesma hora na esperança de o encontrar. “O rapaz que estava aqui ontem, não o viu?”. Perguntou todos os dias durante uma semana, durante um mês e um dia… desistiu e pensou “se eu soubesse o nome dele…”
Perguntava-se como podia ter ficado tão agarrada àquele momento. Perguntava o porquê de ele nunca ter voltado. Com o tempo resta uma recordação de uma manhã diferente de todas as outras. Se isto fosse um filme de Hollywood um dia ele teria voltado com uma óptima desculpa. Mas ele não voltou. E ela nunca o pode procurar, o pouco que sabia dele era que ele gostava de sol e que em criança sonhava ser astronauta. Tudo o resto que ele dissera ela já tinha esquecido com o tempo. Ele nunca lhe disse o nome e ela sabia que se ele quisesse encontrava-a mas ainda assim ele parece não a ter procurado.
Ele era um jornalista, e ela, uma celebridade, talvez até tenha escrito artigos sobre ela. É provável que não tenha voltado por ter medo das suas incompatibilidades. Se calhar conhecia a sua falta de escrúpulos, e sabia que ia acabar por publicar o pior dela, um dia que acabassem. Talvez esta tenha sido a forma mais honesta de ele a amar.
E de guardar perpetuamente o desejo de ter beijado essa mulher, tão bonita, que uma manhã foi sua. Não é maravilhoso? Sentir que duas almas se fundem numa só?

“Talvez mais tarde, ou talvez noutra vida.” Acreditaram os dois rendidos à certeza de que esta história acabaria mais feliz se nunca acontecesse.

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